A ética é a estética da alma
A ética é a estética da alma.
A ética em sua acepção mais abrangente, a
priori, como era conceituada pelos filósofos da antiguidade é o estudo dos
princípios que permitem aos seres humanos viver uma boa vida, ou melhor
dizendo, uma vida onde algumas normas estabelecidas através dos bons princípios
era o cerne da questão. Mais tarde e atualmente dispõe-se a ética, em termos
gerais, um fator mais restritivo - mas não completamente na contramão do que já
existia - ou seja, o modo como “temos o dever de agir”. Não como um
enquadramento, mas como um viés por onde é possível estabelecer convivências
sem que entremos em uma torre de babel.
Não há como falar de Ética, sem lembrar de
uma citação de Pierre Reverdy: "A ética é a estética de dentro" e,
consequentemente, essa questão nos leva também à Michael Foucault, com o qual
igualmente concordo: "A ética é, em primeira e última instância, um modo
de relacionamento do indivíduo consigo mesmo. É o cuidado de si. A ética é
criação de e a partir da liberdade e o indivíduo é uma obra – obra de si mesmo,
obra de arte." Quanto mais o indivíduo desenvolver essa ética, mais
consciência terá de si mesmo e maior será a sua "estetização",
portanto, mais abrangente e melhor será também a concepção desse indivíduo
sobre a estética da existência de um modo geral e da vida.
Na estética de
dentro onde Reverdy situa a ética, que é também a estetização da qual nos fala
Foucault, entende-se como tudo aquilo que sentimos, pensamos e todas as nossas
atitudes que nascem de uma estética interior de valores, de constituições
subjetivas interiores a priori. É uma questão de ser ou não ser. E não há meio
termo em ser. Quem não possui a estética de dentro ou quem não constrói essa
estética de dentro, não possui e nem consegue construir a ética de fora, pois
essa ultima é necessariamente o reflexo da primeira.
Essa forma de pensar a ética pessoal
estaria desvinculada de qualquer tipo de esteticismo da aparência, do físico e
do material. Ao contrário, este esteticismo está ligado diretamente à essência,
aos valores e padrões internos de cada um, ou seja, a escolha de uma
determinada forma de vida baseada na estética da existência. Estética esta que
não se produz em meio ao nada ou em meio à "cultura do vale tudo",
mas num espaço determinado no qual algumas escolhas são possíveis e outras não
são, porque é preciso que estejamos sempre atentos ao amplo leque de posturas e
movimentos do tecido social, que passa pelo pessoal em primeiro lugar, senão
não seria possível situar-nos em nenhum modo de convivência.
Dessa forma, a estética da existência,
caracterizando o cuidado consigo mesmo e com o outro, caracterizando a
civilidade e nos levando ao exercício constante da transformação da existência,
define as condutas e os critérios estéticos e também éticos do bem viver -
pessoais e sociais, sendo que os pessoais são fundamentais, pois quem não
constrói dentro, não possuirá fora. Falando em civilidade, o termo vem da
palavra "civitas", que quer dizer cidade. Tem civilidade, portanto,
aquele que sabe viver "na cidade", em organizações sociais, culturais
e humanas onde existem e deveriam prevalecer alguns códigos e valores morais,
bem como a educação, o respeito, a elegância de ser e de estar no mundo e a
ética, que nada mais são do que aquilo que já temos - ou deveríamos ter -
esteticamente internalizados e que formam nossa subjetividade, pela qual
perpassará sempre a formação auto referencial do nosso psiquismo.
Lembrei-me de Costanza Pascolato que, em
certa medida, para um olhar mais atento e refinado, corrobora em várias nuances
com a estética da existência de Foucault: "... Elegância é, na definição
literal, o requinte que distingue a postura correta, o refinamento natural.
Elegância é apuro do porte e das maneiras. Tem muito mais a ver com
aprimoramento pessoal do que com aparência. Ser elegante é, em última análise,
uma questão existencial, de como você pensa sua vida, como se coloca no
mundo." Ética é como Estilo e elegância. É uma marca única, pessoal e
intransferível. Não se compra, não se vende, não se ganha, não se pede
emprestado, não se adquire, não se copia. Ou se tem ou não se tem. Ética é a
diferença entre a luz e a sombra, entre o passo e o rastro, entre quem irradia
de quem apenas reflete. É o tudo e o todo. Ética é a diferença e a
diferenciação no meio de iguais. É a marca do inigualável, do incomparável, do
irrefutável, do inesquecível.
Enfim, a estética de dentro de cada um de
nós, o que temos como fundamental em nossa formação como seres humanos, aquilo
que é nossa essência, nosso caráter, nossa forma de ser e de estar no mundo,
nossos sentimentos, nossos pensamentos e principalmente nossas escolhas e
nossas atitudes são nossa ética. É o que somos e possuirmos por dentro e,
fatalmente é o que será visto do lado de fora, pois o que possuímos ou não em
nossa essência como ética é o que dirá, irrefutavelmente, sobre quem somos,
sobre qual é a nossa postura de vida e sobre quais condutas nos alicerçam.
FONTE: Ética
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