Teoria do crime – fato típico – nexo causal

 


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CONCEITO

É o elo “concreto, físico, material e natural que se estabelece entre a conduta do agente e o resultado naturalístico, por meio do qual é possível dizer se aquela deu ou não causa a este” (CAPEZ, 2020, p. 317).

NATUREZA

O nexo causal é a constatação da existência ou não de relação entre conduta e resultado, em atenção às leis da física, mais especificamente, da relação entre causa e efeito. De nada importa, para o nexo causal, se existia dolo ou culpa por parte do agente.

Assim, de nada importa, para o nexo de causalidade, se, por exemplo, um motorista, embora dirigindo seu veículo com absoluta diligência, devidamente habilitado, dentro do limite de velocidade, atropela e mata uma criança que repentinamente pulou na frente do carro. No caso, pela teoria atualmente adotada pelo Código Penal, houve nexo causal. Contudo, nem de longe podemos afirmar, com base apenas no nexo causal, que houve fato típico ou muito menos crime.

NEXO CAUSAL: NEXO FÍSICO/CONCRETO E NEXO NORMATIVO

Desse modo, se, para a existência do fato típico, não basta a existência do nexo causal, é necessário, de acordo com o art. 19 do Código Penal, que o agente tenha atuado com dolo ou culpa (se for o caso de crime culposo), pois, inexistentes o dolo ou a culpa, não haverá sequer fato típico.

No exemplo do motorista, embora exista nexo causal, não houve dolo ou culpa e, assim, não houve fato típico. É que o fato típico, em Direto Penal, depende da existência de dolo ou culpa (nem todo crime tem forma culposa, apenas alguns). Ausente o dolo, resta saber se o crime tem modalidade culposa. Se não tem, não há fato típico. Por outro lado, se tem modalidade culposa, investiga-se, então, se há culpa no caso concreto e, concluindo-se que nesse caso concreto não há, então também não há fato típico.  No exemplo do motorista, como não houve dolo ou culpa, crime nenhum houve.

RESPONSABILIDADE PENAL SUBJETIVA: a responsabilidade penal é exclusivamente subjetiva, isto é, depende de dolo ou culpa. Não existe responsabilidade penal objetiva, ou seja, não existe responsabilidade penal que independa de dolo ou culpa. Apesar de alguns ramos do Direito, como o Direto do Consumidor, por exemplo, admitirem a responsabilidade objetiva (sem dolo ou culpa), certo é que isso não vale para o Direito Penal. É possível que um fato seja considerado um ilícito civil ou consumerista e, ao mesmo tempo, não seja considerado um ilícito criminal.

Assim, podemos concluir que o nexo causal se desdobra em duas subespécies, a saber, o nexo causal físico/concreto (que é a aferição da relação de causa e efeito no mundo dos fatos) e o nexo causal normativo (que é a verificação de dolo ou culpa).

TEORIAS PARA APONTAR O NEXO CAUSAL

TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES (“CONDITIO SINE QUA NON”)

  • Stuart Mill

É a teoria adotada pelo Código Penal, embora haja várias críticas à sua adoção.

Relação de causalidade

Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Segundo essa teoria, “causa é toda ação ou omissão anterior que, de algum modo, ainda que minimamente, contribui para a produção do resultado”, ou seja, “tudo o que concorre para isso deve ser considerado sua causa”, de sorte que “a lei atribui relevância causal a todos os antecedentes do resultado, considerando que nenhum elemento de que dependa a sua produção pode ser excluído da linha de desdobramento causal, pouco importando se, isoladamente, tinha ou não idoneidade para produzi-lo” (CAPEZ, 2020, p. 319). Para essa teoria, “não existe diferença entre causa e condição ou causa e concausa, se contribuiu de alguma forma é causa” e, segundo Fernando Capez, “foi essa a teoria adotada pelo nosso Código Penal” (CAPEZ, 2020, p. 319).

Para essa teoria, tudo o que, retirado da cadeia de causa e efeito, provocar a exclusão do resultado, considera-se causa. Assim, para verificar se um fato é causa ou não, procede-se ao chamado procedimento hipotético de eliminação:

EXEMPLO: supondo-se que José matou João, a conduta típica do homicídio tem uma série de fatos, alguns antecedentes, dentre os quais podemos enumerar os seguintes (CAPEZ, 2020, p. 320):

i) produção do revólver pela indústria;

ii) aquisição da arma pelo comerciante;

iii) compra do revólver pelo agente;

iv) refeição tomada pelo homicida;

v) emboscada;

vi) disparo de projéteis na vítima;

VII) RESULTADO MORTE

Dentro dessa cadeia de fatos, excluindo-se os fatos de (i) a (iii), (v) e (vi), o resultado (vii) não teria ocorrido. Portanto, tais fatos são considerados causa.

Por outro lado, excluindo-se o fato (iv), ainda assim o evento teria acontecido, daí porque esse fato não é considerado causa.

Ocorre que, considerando-se os fatos mencionados como causa, isso não permitiria responsabilizar indevidamente e injustamente algumas pessoas, como o produtor do revólver? A resposta para isso é a seguinte: embora a teoria da equivalência dos antecedentes traga uma fórmula (procedimento hipotético de eliminação) para se apurar o nexo causal, certo é que o nexo por ela apurado é apenas o físico/concreto. Contudo, tal teoria não se presta a apurar o chamado nexo normativo (que é a aferição de dolo ou culpa).

Assim, embora para a teoria da equivalência dos antecedentes o produtor da arma esteja fisicamente/concretamente ligado ao resultado morte, certo é que normativamente ele não está, pois faltou-lhe o dolo ou a culpa para produzir o resultado.

ATENÇÃO: apesar de a teoria da equivalência dos antecedentes estabelecer tão só o nexo causal físico/concreto, e, por tal motivo, inexistindo o nexo normativo (dolo ou culpa), o crime também inexiste, certo é que há severas críticas a essa teoria. Conforme veremos abaixo, na teoria da imputação objetiva (surgida para tentar sanar os defeitos das demais teorias), os críticos da teoria da equivalência dos antecedentes dizem que, por mais que não haja crime se não houver o nexo normativo, ainda assim a teoria da equivalência dos antecedentes é problemática por considerar haver nexo físico/concreto em relação ao pai e à mãe do futuro assassino (que sequer imaginavam, quando da concepção, que seu filho viria a ser homicida) ou mesmo em relação ao produtor da arma (que, embora imaginasse a possibilidade dela vir a servir para matar alguém, apenas criou, com a produção da arma, um risco juridicamente permitido, pois a nossa sociedade permite a produção de armas).

REGRESSO AO INFINITO: prosseguindo nas críticas à teoria da equivalência dos antecedentes, alega-se, ainda, que ela acabava pro criar uma cadeia de causalidade tamanha que acabava pro levar ao chamado regresso ao infinito, de modo que, se  “causa é toda ação ou omissão anterior que, de algum modo, ainda que minimamente, contribui para a produção do resultado”, certo é que, de acordo com os críticos, poder-se-ia chegar a Adão, a Eva e a serpente do paraíso, pois se o primeiro não tivesse mordido o fruto proibido, nada teria acontecido. Assim, para os críticos da teoria da equivalência dos antecedentes, ainda que a cadeia infinita antecedente causal só não leve à responsabilização de todos em razão da ausência de nexo normativo (que exclui o dolo e a culpa), certo é, de acordo com os críticos, que o mero fato de considerar haver nexo físico/concreto em situações assim já evidencia a fragilidade dessa teoria (CAPEZ, 2020).

TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA OU CAUSALIDADE MAIS ADEQUADA

  • Von Kries

Por essa teoria, “o juízo de adequação causal realiza-se mediante um retorno à situação em que se deu a ação, a partir da qual se examinam em abstrato a probabilidade e a idoneidade da ação, segundo as leis da causalidade”, de modo que, “ainda que contribuindo de qualquer modo para a produção do resultado, um fato não pode ser considerado sua causa, quando, isoladamente, não tiver idoneidade para tanto”, sendo necessários, portanto, “contribuição efetiva e idoneidade individual mínima” (CAPEZ, 2020, p. 325).

EXEMPLO: assim, não há nexo causal entre os pais e o crime cometido pelo filho, pois, embora seja verdade que sem aqueles não existiria esse e, sem esse, não haveria o crime, certo é que a conduta dos pais, gerando o autor do crime, isoladamente, não teria idoneidade mínima para provocar o delito cometido, carecendo, portanto, de contribuição efetiva e idoneidade individual mínima.

A teoria da causalidade adequada, como se vê, adota um juízo de probabilidade, de maneira que será considerada como causa a circunstância que for mais provável como geradora do fato delituoso. Esse juízo de probabilidade, contudo, é muito criticado. Em certo caso dos Estados Unidos da América (EUA), no processo People v. Collins, foi realizado o chamado julgamento by mathematics na seguinte situação:

“uma senhora foi assaltada em Los Angeles e declarou ter percebido uma moça loira fugindo; uma vizinha da vítima também afirmou ter visto uma jovem branca, com cabelos loiros e ‘rabo de cavalo’, sair do local do crime e entrar em um automóvel amarelo, dirigido por um homem negro com barba e bigode; dias depois, policiais conseguiram prender um casal com essas características, mas no julgamento, tanto a vítima como a testemunha não puderam reconhecê-los; a acusação serviu-se, então, de um perito matemático que, com base nas características apontadas – automóvel amarelo, homem com bigode, moça com ‘rabo de cavalo’, loira, negro com barba e casal negro-branca no carro –, e aplicando a esses dados as respectivas probabilidades de ocorrência, fundadas em estatísticas, multiplicou-se para extrair a conclusão de que somente existia uma possibilidade, em doze milhões, que um casal preenchesse todos esses requisitos. Com base nisso, o júri condenou os acusados. A Suprema Corte da Califórnia anulou a decisão dos jurados, entendendo inadmissível o argumento trazido pelo perito matemático, por várias razões: primeiro, porque não havia base probatória suficiente para amparar as possibilidades individuais alegadas pela acusação; depois, porque mesmo que estivessem corretas, a multiplicação delas seria possível se cada um dos fatores fosse absolutamente independente. Além disso, também restava a hipótese de que a dupla criminosa não tivesse efetivamente as características indicadas pelas testemunhas ou que houvesse na área de Los Angeles outro casal com características semelhantes” (GOMES FILHO apud CAPEZ, 2020, p. 328).

Assim, arremata Capez que “a teoria da causalidade ou condição adequada é válida como questionamento da equivalência dos antecedentes, mas também peca por não evidenciar o caráter valorativo da ciência jurídica como fator preponderante da definição do nexo causal objetivo”, de modo que a teoria da causalidade, nesse ponto, “é superada em muito pela imputação objetiva” (CAPEZ, 2020, p. 328).

TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

  • Karl Larenz e Richard Honig

Pretendendo uma evolução, a teoria da imputação objetiva, ainda não adotada totalmente no Brasil, enuncia que o fato típico, de maneira geral, não depende apenas da imputação subjetiva, como, também, como o nome da teoria sugere, depende ainda de uma imputação que seja objetiva. Assim, a teoria da imputação objetiva, criticando o chamado dogma causal, propõe que a verificação da existência ou não de imputação subjetiva não pode ser o último dique para a imputação criminal. Com efeito, os teóricos da imputação objetiva dizem que, antes disso, é necessário criar filtros mais fortes até mesmo para a própria aferição do chamado nexo físico/concreto.

Assim, para a imputação objetiva, a imputação criminal depende, numa primeira etapa, da verificação do nexo físico/concreto (que é a própria imputação objetiva), e, numa segunda etapa, da verificação do nexo normativo (dolo ou culpa), conforme abaixo:

  1. imputação objetiva: consiste em verificar se o sujeito deu causa ao resultado sob o ponto de vista físico, naturalístico, ou seja, se o evento pode ser atribuído à conduta, sob o prisma exclusivamente objetivo, sem verificar dolo e culpa (pois isso é verificado na próxima etapa), desde que estejam presentes as seguintes exigências:
    1. nexo físico, naturalístico, entre a conduta e o resultado (a teoria da conditio sine qua non já se daria por satisfeita somente com tal requisito, para considerar que houve nexo físico/concreto);
    2. a conduta deve ser socialmente inadequada, não padronizada, proibida e, por conseguinte, criar um risco proibido para a ocorrência do resultado;
    3. o resultado deve estar dentro do âmbito de risco provocado pela conduta;
  2. imputação subjetiva: existindo nexo causal físico/concreto, analisa-se a existência do dolo ou da culpa.

SUPERVENIÊNCIA CAUSAL

DISTINÇÃO ENTRE CAUSA E CONCAUSA

Embora possamos definir causa como sendo “toda condição que atua paralelamente à conduta, interferindo no processo causal” (CAPEZ, 2020, p. 346), certo é que, tendo nosso Código Penal adotado a teoria da equivalência dos antecedentes, não faz sentido e não é necessário distinguir causa de ocasião ou condição, pois, como já vimos, pela teoria mencionada, qualquer conduta que, de algum modo, ainda que minimamente, tiver contribuído para a eclosão do resultado deve ser considerada sua causa.

Em tempo, “as concausas são, no entanto, aquelas causas distintas da conduta principal, que atuam ao seu lado, contribuindo para a produção do resultado”, podendo ser “anteriores, concomitantes ou posteriores à ação e concorrem com esta para o evento naturalístico” (CAPEZ, 2020, p. 347).

ESPÉCIES DE CAUSAS

CAUSA DEPENDENTE

Causa dependente é “aquela que, originando-se da conduta, insere-se na linha normal de desdobramento causal da conduta”, como “na conduta de atirar em direção à vítima, são desdobramentos normais de causa e efeito: a perfuração em órgão vital produzida pelo impacto do projétil contra o corpo humano; a lesão cavitaria (em órgão vital); a hemorragia interna aguda traumática; a parada cardiorrespiratória; a morte”. Segundo Capez, “há uma relação de interdependência entre os fenômenos, de modo que sem o anterior não haveria o posterior, e assim por diante” (CAPEZ, 2020, p. 347).

ELEMENTOS DA CAUSA DEPENDENTE:

i) origina-se da conduta, sem a qual não existiria;

ii) atua com absoluta dependência da causa anterior, da qual resulta como consequência natural e esperada.

causa dependente é parte fundamental do nexo causal. A causa dependente, contudo, deve ser significante para que haja correspondência lógica entre a conduta e o resultado.

CAUSA INDEPENDENTE

Causa independente é “aquela que refoge ao desdobramento causal da conduta, produzindo, por si só, o resultado. Seu surgimento não é uma decorrência esperada, lógica, natural do fato anterior, mas, ao contrário, um fenômeno totalmente inusitado, imprevisível”, como, por exemplo, podemos afirmar que “não é consequência normal de um simples susto a morte por parada cardíaca” (CAPEZ, 2020, p. 349).

causa independente se subdivide em causa absolutamente independente e causa relativamente independente.

CAUSAS ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTES
1. CONCEITO

A causa absolutamente independente “não se origina da conduta e comporta-se como se por si só tivesse produzido o resultado, não sendo uma decorrência normal e esperada”, não tendo, “portanto, nenhuma relação com a conduta” (CAPEZ, 2020, p. 350).

Assim, “são aquelas que têm origem totalmente diversa da conduta”, eis que “o advérbio de intensidade ‘absolutamente’ serve para designar que a causa não partiu da conduta, mas de fonte totalmente distinta” e, além disso, “por serem independentes, tais causas atuam como se tivessem por si sós produzido o resultado, situando-se fora da linha de desdobramento causal da conduta” (CAPEZ, 2020, p. 350).

2. ESPÉCIES
2.1. PREEXISTENTES

Existem antes de a conduta ser praticada e atuam independentemente de seu cometimento, de maneira que com ou sem a ação o resultado ocorreria do mesmo jeito. Por exemplo, o genro atira em sua sogra, mas ela não morre em consequência dos tiros, e sim de um envenenamento anterior provocado pela nora, por ocasião do café matinal. O envenenamento não possui relação com os disparos, sendo diversa a sua origem. Além disso, produziu por si só o resultado, já que a causa mortis foi a intoxicação aguda provocada pelo veneno e não a hemorragia interna traumática produzida pelos disparos. Por ser anterior à conduta, denomina-se preexistente. Assim, é independente porque produziu por si só o resultado; é absolutamente independente porque não derivou da conduta; e é preexistente porque atuou antes desta (CAPEZ, 2020, pp. 350/351).

2.2. CONCOMITANTES

Não têm qualquer relação com a conduta e produzem o resultado independentemente desta, no entanto, por coincidência, atuam exatamente no instante em que a ação é realizada. Por exemplo, no exato momento em que o genro está inoculando veneno letal na artéria da sogra, dois assaltantes entram na residência e efetuam disparos contra a velhinha, matando-a instantaneamente. Essa conduta tem origem totalmente diversa da do genro desalmado, estando inteiramente desvinculada de sua linha de desdobramento causal. É independente porque por si só produziu o resultado; é absolutamente independente porque teve origem diversa da conduta; e é concomitante porque, por uma dessas trágicas coincidências do destino, atuou ao mesmo tempo da conduta (CAPEZ, 2020, p. 351).

2.3. SUPERVENIENTES

Atuam após a conduta. Por exemplo, após o genro ter envenenado sua sogra, antes de o veneno produzir efeito, um maníaco invade a casa e mata a indesejável senhora a facadas. O fato posterior não tem qualquer relação com a conduta do rapaz. É independente porque produziu por si só o resultado; é absolutamente independente porque a facada não guarda nenhuma relação com o envenenamento; e é superveniente porque atuou após a conduta (CAPEZ, 2020, p. 351).

3. CONSEQUÊNCIAS

As causas absolutamente independentes, só por tal circunstância, já rompem totalmente o nexo causal, de modo que o agente responde apenas pelos atos até então praticados.

Nos exemplos acima, como o genro não deu causa à morte da sua sogra, responderá por homicídio doloso tentado, e não consumado, já que a morte se consumou por atos de terceiros absolutamente independentes.

CAUSAS RELATIVAMENTE INDEPENDENTES
1. CONCEITO

Se de um lado a causa absolutamente independente não só produz por si só seu resultado como também não se origina da conduta, a causa relativamente independente, por outro lado, embora também produza por si só o resultado, na verdade encontra sua origem na própria conduta praticada pelo agente.

2. ESPÉCIES
2.1. PREEXISTENTES

Atuam antes da conduta. “A” desfere um golpe de faca na vítima, que é hemofílica e vem a morrer em face da conduta, somada à contribuição de seu peculiar estado fisiológico. No caso, o golpe isoladamente seria insuficiente para produzir o resultado fatal, de modo que a hemofilia atuou de forma independente, produzindo por si só o resultado. O processo patológico, contudo, só foi detonado a partir da conduta, razão pela qual sua independência é apenas relativa. Como se trata de causa que já existia antes da agressão, denomina-se preexistente (CAPEZ, 2020, p. 352).

2.2. CONCOMITANTES

“A” atira na vítima, que, assustada, sofre um ataque cardíaco e morre. O tiro provocou o susto e, indiretamente, a morte. A causa do óbito foi a parada cardíaca e não a hemorragia traumática provocada pelo disparo. Trata-se de causa que por si só produziu o resultado (independente), mas que se originou a partir da conduta (relativamente), tendo atuado ao mesmo tempo desta (concomitante) (CAPEZ, 2020, p. 352).

2.3. SUPERVENIENTES

A vítima de um atentado é levada ao hospital e sofre acidente no trajeto, vindo, por esse motivo, a falecer. A causa é independente, porque a morte foi provocada pelo acidente e não pelo atentado, mas essa independência é relativa, já que, se não fosse o ataque, a vítima não estaria na ambulância acidentada e não morreria. Tendo atuado posteriormente à conduta, denomina-se causa superveniente.

3. CONSEQUÊNCIAS

Se, como vimos, nenhuma causa relativamente independente tem o condão de romper o nexo causal, então a conclusão é que a existência de uma causa independente que o seja apenas relativamente (e não absolutamente) não afastará o nexo causal. Em outras palavras: haverá o nexo causal.

Assim, nas causas preexistentes ou concomitantes, o agente responderá pelo resultado, a menos que não tenha concorrido para ele com dolo ou culpa (se o sujeito assustou a vítima sem querer matá-la ou sem assumir o risco de matá-la, responderá por homicídio culposo; se assustou querendo matar com o susto, responde por homicídio doloso; em ambos os casos, a causa relativamente independente é o infarto provocado em decorrência do susto).

Contudo, nas causas supervenientes, embora ainda exista o nexo causal, mesmo assim o agente não responderá por nada, mesmo que tenha dolo ou culpa, pois o § 1º do art. 13 do CP é claro ao determinar que “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado”. Assim, por exemplo, se o agente provoca um susto na vítima querendo matá-la, mas essa não morre no momento e é levada ao hospital em razão do susto, se no trajeto acontece acidente, por mais que a causa seja apenas relativamente independente (o que, regra geral, faria haver o nexo), certo é que, sendo ela superveniente, o Código Penal foi claro ao excluir a responsabilidade do agente.

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: 24ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020 – versão digital.

FONTE: https://lucascotta.com.br/teoria-do-crime-fato-tipico-tipicidade/

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